A BOA SOGRA
Isabel Cristina Pereira Lopes
Quando conheci dona Durvalina tive a certeza
de que esse encontro mudaria minha vida, pelo menos minha concepção de
relacionamentos. Eu já ouvira falar dela, entretanto pensei que todas aqueles
absurdos não passavam de folclorices, se é que essa palavra existe. Bem, o
certo é que ela existiu, e eu tenho que contá-la aqui. Não sei se conseguirei
descrevê-la com fidelidade, mas tentarei.
Dona Durvalina era miúda, lépida, e ativa.
Nordestina, não sei bem de onde. Uma coisa é certa dona Durvalina era uma
mulherzinha arretada! De todas as suas características marcantes, aquela que
mais me chamou atenção foi o ódio que nutria pelo genro. E nesse momento tenho
que explicar ao leitor que dona Durvalina dedicava quase que cem por cento do
seu tempo a esse genro a quem tanto odiava. Logo cedo ia à casa das vizinhas
mais chegadas para contar as travessuras do infame, a quem dava alcunhas de:
urubu seco, tripa seca, cara de tatu com fome e tantas outras... Preciso
explicar que nunca entendi bem como seria a cara de um tatu com fome, mas o
certo é que dona Durvalina imaginava que era uma coisa horrível, ou não usaria
para definir o genro.
Faz-se necessário, deixar claro, que nunca
percebi nesse genro mal ou bem que pudesse justificar tanta preocupação de uma
sogra. Terêncio, era o nome do cabra, também nordestino, não era dado a
conversas. Era um homem calado, até um pouco sisudo. Todas as tardes depois do
expediente na olaria, era onde trabalhava, Terêncio sentava-se à porta e pitava
em longas baforadas um cigarro de palha, cuspia ao chão e ouvia um radinho à
pilha, esse era o costume de todo dia. Era um homem limpo, magro, cheirando a Cahimire Bouquet. Mantinha as unhas
aparadas, exceto as do dedo mínimo, para coçar o ouvido. Não se via Terêncio em
boteco, não se sabia de Terêncio com mulheres, mesmo porque quem haveria de
querer um pobre homem duro, que mal tinha o que comer para os seis filhos,
frutos do casamento com Aureliana, filha da nossa dona Durvalina. Mas voltando
a vaca fria, ou a cabra fria, ou melhor, à dona Durvalina, não obstante aos
costumes pacatos e insossos do genro a nossa personagem central, odiava o
marido da filha. E disso não fazia segredo, pelo contrário alardeava aos quatro
ventos o seu ódio, e o desejo de ver a filha livre do traste, era como às vezes
o chamava.
Instigada pelo ódio ao genro, dona Durvalina
preparava-lhe arapucas. É isso mesmo, querido leitor, armadilhas! Nossa
nordestina era mestra em armadilhas, e em se tratando de Têrencio, ela era
artista, quase perfeita, tanto que por muitas vezes quase chegou a complicar o homem,
só não o fez, pela inocência latente que vertia daquela pobre alma, que se
algum mal tinha, era o de ter escolhido a filha de dona Durvalina para esposa.
Conta-se que numa dessas vezes a sogra tentou
incriminá-lo com perigosos facínoras, cavando assim a morte do incauto:
___ Isso!
Vi o meu genro entregando o cafuné pra polícia.
Do
outro lado da linha estava o X9 da região e o Cafuné de quem dona Durvalina
falava, se tratava nada mais, nada menos que o maior traficante da redondeza.
Denúncia
feita, não se sabe se pela denúncia ou não, o fato é que Terêncio foi alvo de
um atentado. O pacato homem quase passou dessa para melhor, sem ao menos saber
quem o caluniara.
Além
do tiro, Terêncio passou a ser evitado pela vizinhança que, temendo represália,
fugia do coitado como o cão da cruz, se conversava pouco, agora menos ainda.
Passado
o vendaval, como o genro não morresse dona Durvalina começou a lamentar o fato
do tripa, do traste, do urubu seco, do cara de tatu com fome, ainda estar por
ali ocupando lugar.
Também
não se sabe se por coincidência ou não, num dia sem quê nem pra quê a olaria
pegou fogo.
___
Queimaram todos! Diziam uns.
___
Não, têm uns três sobreviventes. Diziam outros.
Mas
a boa sogra não se contentou esperar por notícias foi para porta da olaria como
faria uma devotada sogra, não faltou quem comovido pelo ato de dona Durvalina
viesse lhe dizer palavras de consolo:
___
Creia dona Durvalina , o Terêncio há de estar vivo. Disse um
__
Vivo? Acho mesmo é que ele está entre as cinzas, trouxe até o vasinho pra
recolher o peste.
Outro
inocente veio lhe dizer:
___
Era um bom homem, foi pro céu.
___
Só se foi o dá boca da onça, você vivia com o tripa pra saber se ele era bom?
Quero é que tenha ido pra parte mais tropical do inferno!
Aqueles
que falavam com a sogra do suposto falecido ficavam horrorizados com tanta
malvadeza numa hora como essa.
Finalmente
saiu a lista dos feridos e mortos, feridos havia muitos, mortos nenhum e ileso
alguns, entre eles o Terêncio, qual não foi o ódio de Dona Durvalina:
__
Bem que eu devia ter desconfiado, vaso ruim num quebra! Vamos Aureliana, nem a
morte quer esse tripa!
___
Ô mamãe não fale assim não, ele é meu marido.
Dizia
a mulher de Terêncio chorosa.
___
E precisa dizer, se ele fosse marido de outra eu num tava nem aí.Você num vê
quem é ele porque está cega de macumba, mas eu inda te livro disso.
Dona
Durvalina vivia inventando amantes para Terêncio. Mulheres que o infeliz nunca
tivera o prazer de beijar nem as mãos. Um dia sei lá quando inventou a história
do pente rosa, suposto objeto que comprovaria a traição consumada.
___
Quem mais usaria um pente rosa? Ele? Não claro que é da amasia, e é pente de
motel.
__
Mamãe a senhora nunca esteve em motel como vai saber se esse pente é de motel?
__
Nunca estive mas sei das coisa Aureliana, nunca estive na Bahia mas conheço um
berimbau.Mas deixa estar vou seguir esse urubu seco e descobrir quem é essa
lambisgoia burra que quer uma coisa feia e pobre que não serve nem pra fazê
sabão.
E
tanto procurou, e tanto revistou que achou um nome de mulher na carteira do Terêncio e assim que
encontrou o telefone e o nome da dita cuja, ligou para a fulana, quem atendeu
por certo era o marido da vagabunda, voz de mau, antes fosse mesmo muito mau,
pensava dona Durvalina, era dessa vez que tirava o tripa do caminho de
Aureliana:
___
Quem é o senhor, o marido?
___
Sim, sou e a senhora?
___
A sogra, quero dizer uma amiga do senhor, sogra do amante de sua mulher.
O
homem inrrompeu numa chuva de inpropérios, mas após alguns minutos perguntou:
___
Como a senhora sabe desse caso?
___
O como não vem ao caso, mas o nome dele é Terêncio, anote o endereço, anote,
vem armado que ele é perigoso.
O
homem era mau e diante da notícia veio armado e preparado para matar, mas dessa
vez fez refém não só o Terêncio, mas toda a família, inclusive dona Durvalina:
___
Não tenho nada a ver com isso, por favor seu corn... Quer dizer, seu moço. Solte
a mim, os meninos e Aureliana que quem merece morrer é esse traste, pervertido
de uma figa.
O
homem deixava de saber, para lavar a honra só com muito sangue.
Dessa
vez dona Durvalina viu a vô pela greta, temeu pela vida, suplicou para não
morrer, mijou-se toda e só ficou livre do marido ofendido porque a mulher do
suposto corno, admitiu ter um caso, mas não era com o Terêncio e deu nome e
endereço do Ricardão.
Dona
Durvalina rezou pra agradecer a vida, chegou a pensar em perdoar o genro, mas
arrazou:
___
Eu até perdoaria, mas ele não se arrepende, por isso eu tenho é que continuar
tentando livrar minha filha desse tripa, ah um dia eu pego ele no pulo, ah se
pego...
Dizem
que dona Durvalina morreu odiando o genro, Terêncio separou-se de Aureliana
porque descobriu o gosto da vida ao lado de uma mulata bem atrevida, daquelas
que dona Durvalina jamais ousaria peitar, e a pobre da Aureliana, parece que
amou Terêncio toda a sua existência mesmo a contra gosto da mãe.
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