Pirulito
Cabeção
(Isabel Cristina Pereira Lopes)
Entre tantas
as fases da história do portador de necessidades especiais no mundo, eu posso
dizer que já vivi algumas. Quando criança lá pela década de 70 havia nas
redondezas um rapaz que sofria de hidrocefalia e como aquele era o tempo do
desconhecimento dessas mazelas, o pobre rapaz era tido como “doido”, vale dizer
que tudo que fugia ao considerado normal era classificado como doido. Daí o
medo das crianças da rua. Corriam, entretanto não deixavam de importuná-lo.
Para provocar o moço as crianças gritavam:
____
Pirulito Cabeção! E é claro davam no pé, porque se ficassem era possível que
apanhassem.
Eu e minha
irmã não fomos criadas pra perturbar ninguém, mas morríamos de medo do tal
rapaz.
Um belo dia
eu entrei na venda para comprar doces. Nesse dia em especial eu queria um
pirulito, como era conhecido na época o leitor pode imaginar... Isso mesmo,
pirulito cabeção, por ser redondo e
grande assim como a cabeça do rapaz que sofria de hidrocefalia. Entrei com as
moedinhas presas entre os dedos. Naquele tempo criança não pedia aos pais e
avós dez reais, ganhava moedinhas e eu tinha algumas para a compra do precioso
doce. Aproximei do balcão da venda, estiquei a cabeça para visualizar as
guloseimas e pedi:
____ Seu
Américo me dá um Pirulito Cabeção... Parei imediatamente, com a frase ainda
suspensa no ar. Na boca o gosto amargo do medo e na cabeça o gosto docinho do
pirulito.
Atrás de mim
estava o verdadeiro... Ou falso sei lá “Pirulito Cabeção”. Não sei se tive
vontade de explicar que não falava dele e sim do doce, mas acho que isso só pioraria as coisas.
O vendedor
ainda ficou com a mão estendida, segurava o pirulito, quanto a compradora
evadiu-se do local, virou a esquina e sumiu. Por muito tempo não quis saber
daquele tipo de doce. Mas a lembrança ficou guardadinha na memória. O rapaz se
era violento não sei, mas o leitor sabe como é fama, depois que pega fica
difícil de tirar.
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