segunda-feira, 12 de maio de 2014

Pirulito Cabeção
(Isabel Cristina Pereira Lopes)

Entre tantas as fases da história do portador de necessidades especiais no mundo, eu posso dizer que já vivi algumas. Quando criança lá pela década de 70 havia nas redondezas um rapaz que sofria de hidrocefalia e como aquele era o tempo do desconhecimento dessas mazelas, o pobre rapaz era tido como “doido”, vale dizer que tudo que fugia ao considerado normal era classificado como doido. Daí o medo das crianças da rua. Corriam, entretanto não deixavam de importuná-lo. Para provocar o moço as crianças gritavam:
____ Pirulito Cabeção! E é claro davam no pé, porque se ficassem era possível que apanhassem.
Eu e minha irmã não fomos criadas pra perturbar ninguém, mas morríamos de medo do tal rapaz.
Um belo dia eu entrei na venda para comprar doces. Nesse dia em especial eu queria um pirulito, como era conhecido na época o leitor pode imaginar... Isso mesmo, pirulito cabeção, por ser  redondo e grande assim como a cabeça do rapaz que sofria de hidrocefalia. Entrei com as moedinhas presas entre os dedos. Naquele tempo criança não pedia aos pais e avós dez reais, ganhava moedinhas e eu tinha algumas para a compra do precioso doce. Aproximei do balcão da venda, estiquei a cabeça para visualizar as guloseimas e pedi:
____ Seu Américo me dá um Pirulito Cabeção... Parei imediatamente, com a frase ainda suspensa no ar. Na boca o gosto amargo do medo e na cabeça o gosto docinho do pirulito.
Atrás de mim estava o verdadeiro... Ou falso sei lá “Pirulito Cabeção”. Não sei se tive vontade de explicar que não falava dele e sim do doce, mas acho que isso só pioraria as coisas.

O vendedor ainda ficou com a mão estendida, segurava o pirulito, quanto a compradora evadiu-se do local, virou a esquina e sumiu. Por muito tempo não quis saber daquele tipo de doce. Mas a lembrança ficou guardadinha na memória. O rapaz se era violento não sei, mas o leitor sabe como é fama, depois que pega fica difícil de tirar. 

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