segunda-feira, 12 de maio de 2014

A BOA SOGRA
 Isabel Cristina Pereira Lopes


Quando conheci dona Durvalina tive a certeza de que esse encontro mudaria minha vida, pelo menos minha concepção de relacionamentos. Eu já ouvira falar dela, entretanto pensei que todas aqueles absurdos não passavam de folclorices, se é que essa palavra existe. Bem, o certo é que ela existiu, e eu tenho que contá-la aqui. Não sei se conseguirei descrevê-la com fidelidade, mas tentarei.
Dona Durvalina era miúda, lépida, e ativa. Nordestina, não sei bem de onde. Uma coisa é certa dona Durvalina era uma mulherzinha arretada! De todas as suas características marcantes, aquela que mais me chamou atenção foi o ódio que nutria pelo genro. E nesse momento tenho que explicar ao leitor que dona Durvalina dedicava quase que cem por cento do seu tempo a esse genro a quem tanto odiava. Logo cedo ia à casa das vizinhas mais chegadas para contar as travessuras do infame, a quem dava alcunhas de: urubu seco, tripa seca, cara de tatu com fome e tantas outras... Preciso explicar que nunca entendi bem como seria a cara de um tatu com fome, mas o certo é que dona Durvalina imaginava que era uma coisa horrível, ou não usaria para definir o genro.

Faz-se necessário, deixar claro, que nunca percebi nesse genro mal ou bem que pudesse justificar tanta preocupação de uma sogra. Terêncio, era o nome do cabra, também nordestino, não era dado a conversas. Era um homem calado, até um pouco sisudo. Todas as tardes depois do expediente na olaria, era onde trabalhava, Terêncio sentava-se à porta e pitava em longas baforadas um cigarro de palha, cuspia ao chão e ouvia um radinho à pilha, esse era o costume de todo dia. Era um homem limpo, magro, cheirando a Cahimire Bouquet. Mantinha as unhas aparadas, exceto as do dedo mínimo, para coçar o ouvido. Não se via Terêncio em boteco, não se sabia de Terêncio com mulheres, mesmo porque quem haveria de querer um pobre homem duro, que mal tinha o que comer para os seis filhos, frutos do casamento com Aureliana, filha da nossa dona Durvalina. Mas voltando a vaca fria, ou a cabra fria, ou melhor, à dona Durvalina, não obstante aos costumes pacatos e insossos do genro a nossa personagem central, odiava o marido da filha. E disso não fazia segredo, pelo contrário alardeava aos quatro ventos o seu ódio, e o desejo de ver a filha livre do traste, era como às vezes o chamava.
Instigada pelo ódio ao genro, dona Durvalina preparava-lhe arapucas. É isso mesmo, querido leitor, armadilhas! Nossa nordestina era mestra em armadilhas, e em se tratando de Têrencio, ela era artista, quase perfeita, tanto que por muitas vezes quase chegou a complicar o homem, só não o fez, pela inocência latente que vertia daquela pobre alma, que se algum mal tinha, era o de ter escolhido a filha de dona Durvalina para esposa.
Conta-se que numa dessas vezes a sogra tentou incriminá-lo com perigosos facínoras, cavando assim a morte do incauto:

___ Isso! Vi o meu genro entregando o cafuné pra polícia.
Do outro lado da linha estava o X9 da região e o Cafuné de quem dona Durvalina falava, se tratava nada mais, nada menos que o maior traficante da redondeza.
Denúncia feita, não se sabe se pela denúncia ou não, o fato é que Terêncio foi alvo de um atentado. O pacato homem quase passou dessa para melhor, sem ao menos saber quem o caluniara.
Além do tiro, Terêncio passou a ser evitado pela vizinhança que, temendo represália, fugia do coitado como o cão da cruz, se conversava pouco, agora menos ainda.
Passado o vendaval, como o genro não morresse dona Durvalina começou a lamentar o fato do tripa, do traste, do urubu seco, do cara de tatu com fome, ainda estar por ali ocupando lugar.
Também não se sabe se por coincidência ou não, num dia sem quê nem pra quê a olaria pegou fogo.
___ Queimaram todos! Diziam uns.
___ Não, têm uns três sobreviventes. Diziam outros.
Mas a boa sogra não se contentou esperar por notícias foi para porta da olaria como faria uma devotada sogra, não faltou quem comovido pelo ato de dona Durvalina viesse lhe dizer palavras de consolo:
___ Creia dona Durvalina , o Terêncio há de estar vivo. Disse um
__ Vivo? Acho mesmo é que ele está entre as cinzas, trouxe até o vasinho pra recolher o peste.
Outro inocente veio lhe dizer:
___ Era um bom homem, foi pro céu.

___ Só se foi o dá boca da onça, você vivia com o tripa pra saber se ele era bom? Quero é que tenha ido pra parte mais tropical do inferno!
Aqueles que falavam com a sogra do suposto falecido ficavam horrorizados com tanta malvadeza numa hora como essa.

Finalmente saiu a lista dos feridos e mortos, feridos havia muitos, mortos nenhum e ileso alguns, entre eles o Terêncio, qual não foi o ódio de Dona Durvalina:
__ Bem que eu devia ter desconfiado, vaso ruim num quebra! Vamos Aureliana, nem a morte quer esse tripa!

___ Ô mamãe não fale assim não, ele é meu marido.
Dizia a mulher de Terêncio chorosa.
___ E precisa dizer, se ele fosse marido de outra eu num tava nem aí.Você num vê quem é ele porque está cega de macumba, mas eu inda te livro disso.


Dona Durvalina vivia inventando amantes para Terêncio. Mulheres que o infeliz nunca tivera o prazer de beijar nem as mãos. Um dia sei lá quando inventou a história do pente rosa, suposto objeto que comprovaria a traição consumada.
___ Quem mais usaria um pente rosa? Ele? Não claro que é da amasia, e é pente de motel.
__ Mamãe a senhora nunca esteve em motel como vai saber se esse pente é de motel?

__ Nunca estive mas sei das coisa Aureliana, nunca estive na Bahia mas conheço um berimbau.Mas deixa estar vou seguir esse urubu seco e descobrir quem é essa lambisgoia burra que quer uma coisa feia e pobre que não serve nem pra fazê sabão.

E tanto procurou, e tanto revistou que achou um nome  de mulher na carteira do Terêncio e assim que encontrou o telefone e o nome da dita cuja, ligou para a fulana, quem atendeu por certo era o marido da vagabunda, voz de mau, antes fosse mesmo muito mau, pensava dona Durvalina, era dessa vez que tirava o tripa do caminho de Aureliana:

___ Quem é o senhor, o marido?
___ Sim, sou e a senhora?
___ A sogra, quero dizer uma amiga do senhor, sogra do amante de sua mulher.
O homem inrrompeu numa chuva de inpropérios, mas após alguns minutos perguntou:
___ Como a senhora sabe desse caso?
___ O como não vem ao caso, mas o nome dele é Terêncio, anote o endereço, anote, vem armado que ele é perigoso.

O homem era mau e diante da notícia veio armado e preparado para matar, mas dessa vez fez refém não só o Terêncio, mas toda a família, inclusive dona Durvalina:
___ Não tenho nada a ver com isso, por favor seu corn... Quer dizer, seu moço. Solte a mim, os meninos e Aureliana que quem merece morrer é esse traste, pervertido de uma figa.
O homem deixava de saber, para lavar a honra só com muito sangue.
Dessa vez dona Durvalina viu a vô pela greta, temeu pela vida, suplicou para não morrer, mijou-se toda e só ficou livre do marido ofendido porque a mulher do suposto corno, admitiu ter um caso, mas não era com o Terêncio e deu nome e endereço do Ricardão.
Dona Durvalina rezou pra agradecer a vida, chegou a pensar em perdoar o genro, mas arrazou:
___ Eu até perdoaria, mas ele não se arrepende, por isso eu tenho é que continuar tentando livrar minha filha desse tripa, ah um dia eu pego ele no pulo, ah se pego...

Dizem que dona Durvalina morreu odiando o genro, Terêncio separou-se de Aureliana porque descobriu o gosto da vida ao lado de uma mulata bem atrevida, daquelas que dona Durvalina jamais ousaria peitar, e a pobre da Aureliana, parece que amou Terêncio toda a sua existência mesmo a contra gosto da mãe.

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