segunda-feira, 12 de maio de 2014

BONECA DE CORDA
 (Isabel Cristina Pereira Lopes)


Eu sei que o leitor diria que medo de boneca é um tanto estranho, visto que as bonecas são o protótipo dos bebês, ainda mais a uns anos atrás, lá pela década de 70.É que naquele tempo as bonecas tinham como inspiração os bebês brancos de cabelos loiros e olhos azuis; todavia essa boneca a que me refiro era diferente. Inspirada não se sabe onde, muito menos sei em quem, a verdade é que era feita de corda, com enormes bobs na cabeça, olhos arregalados e preta. Digo essa última palavra imbuída de uma consciência crítica que foi desenvolvida ao longo desses anos, o fato de ser preta talvez fosse o maior mal da tal criatura, afinal a cor preta sempre fora associada ao mal, assim como o branco, loiro, aos anjos bons. A pobre e inocente boneca vivia pendurada numa parede, não era brinquedo, era enfeite. Como seria possível enfeitar com aquilo?Essa era a questão da época. Nunca saia dali, exceto em ocasiões onde era usada justamente para assustar a menina.
A menina não tinha consciência de questões como racismo ou coisa do tipo, mas dentro dela havia o medo imposto pelo que na sua ignorância era feio e mal.
Uma das vizinhas, ainda criança, consciente do medo, vinha e jogava a boneca sobre a menina medrosa. A medrosa chorava, esperneava e reclamava, às vezes ouvia a tia da dona da boneca dizer:
___ Pra que assustar ela? Não faça isso! E ralhava mais, mas nem uma menina nem a outra mudava de atitude. Se uma chorava por medo, a outra sorria do choro e assim o tempo passou... As meninas cresceram, as bonecas ganharam novas formas e cores. A consciência crítica de ambas as meninas foi desenvolvida. Muitos anos após a ocorrência desse fato, a menina chorona, já mulher deparou-se com a tal boneca, olhou-a e pensou que ela era até uma boneca bonita, nos padrões de um objeto artesanal, e refletiu sobre a importância de ensinar as crianças a perceber a beleza dos diferentes e a compreender a ditadura dos estereótipos, para que elas não carreguem dentro de si o sentimento de inadequação.

Viva as bonecas de todas as cores, de todos os traços, de todos os jeitos. Viva a consciência crescente de que o feio e o bonito depende dos olhos de quem vê. 

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