BONECA DE CORDA
(Isabel Cristina Pereira Lopes)
Eu sei que o leitor diria que medo de
boneca é um tanto estranho, visto que as bonecas são o protótipo dos bebês,
ainda mais a uns anos atrás, lá pela década de 70.É que naquele tempo as
bonecas tinham como inspiração os bebês brancos de cabelos loiros e olhos
azuis; todavia essa boneca a que me refiro era diferente. Inspirada não se sabe
onde, muito menos sei em quem, a verdade é que era feita de corda, com enormes
bobs na cabeça, olhos arregalados e preta. Digo essa última palavra imbuída de
uma consciência crítica que foi desenvolvida ao longo desses anos, o fato de
ser preta talvez fosse o maior mal da tal criatura, afinal a cor preta sempre
fora associada ao mal, assim como o branco, loiro, aos anjos bons. A pobre e
inocente boneca vivia pendurada numa parede, não era brinquedo, era enfeite.
Como seria possível enfeitar com aquilo?Essa era a questão da época. Nunca saia
dali, exceto em ocasiões onde era usada justamente para assustar a menina.
A menina não tinha consciência de questões
como racismo ou coisa do tipo, mas dentro dela havia o medo imposto pelo que na
sua ignorância era feio e mal.
Uma das vizinhas, ainda criança, consciente
do medo, vinha e jogava a boneca sobre a menina medrosa. A medrosa chorava,
esperneava e reclamava, às vezes ouvia a tia da dona da boneca dizer:
___ Pra que assustar ela? Não faça isso! E
ralhava mais, mas nem uma menina nem a outra mudava de atitude. Se uma chorava
por medo, a outra sorria do choro e assim o tempo passou... As meninas
cresceram, as bonecas ganharam novas formas e cores. A consciência crítica de
ambas as meninas foi desenvolvida. Muitos anos após a ocorrência desse fato, a
menina chorona, já mulher deparou-se com a tal boneca, olhou-a e pensou que ela
era até uma boneca bonita, nos padrões de um objeto artesanal, e refletiu sobre
a importância de ensinar as crianças a perceber a beleza dos diferentes e a
compreender a ditadura dos estereótipos, para que elas não carreguem dentro de
si o sentimento de inadequação.
Viva as bonecas de todas as cores, de todos
os traços, de todos os jeitos. Viva a consciência crescente de que o feio e o
bonito depende dos olhos de quem vê.
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